Nila levantou do seu leito, voltava mais uma vez a trabalhar em seu projeto. Não estava satisfeita, as vezes sentia que nunca o terminaria.
Colocou sua delicada mão entra as forças cósmicas, tentou algumas configurações, nenhuma a agradou. Não sabia bem o que queria, só sabia que deveria ser perfeito, harmonioso, equilibrado... Não adiantava, aquelas forças cósmicas não eram tão fáceis de moldar como sua irmã fazia parecer.
Desistiu das forças por hora, focou-se em um dos planetas, um que começou a gerar vida. Pegou uma daquelas criaturas unicelulares, observou a demoradamente. Não gostou de suas organelas, muito menos de seu DNA, tinha ali a capacidade de evoluir e até formar um ser inteligente em milhões de anos, mas não seriam como Nila imaginava que deveriam ser. Seriam baixinhos, pelo menos muitos deles, poucos teriam um porte heroico e as feições seriam comuns, não belos como os deuses, apenas mais um rosto qualquer. Com um gesto de desdém, Nila desfez o planeta todo, voltou a serem átomos no espaço.
Agora olhava para um dos sóis. A luz não lhe agradou muito, aumentou a intensidade, colocou mais UV e tirou um pouco do amarelo. Achou que melhorou, mas ainda não era isso. O alinhamento dos planetas poderia melhorar, pensou. Essas galáxias também deveriam ser realinhadas. Passou a movê-las, sem chegar a conclusões.
Sentou em seu leito, observou o conjunto todo à distância. Como aquilo era fácil para seu pai e sua irmã? Talvez nunca o terminasse, era o que a mitologia dizia sobre ela. Esse pensamento fez Nila suspirar de desânimo. Não deveria ser isso, ela lembrou que se recusava a acreditar que uma deusa como ela, a terceira mais importante de seu panteão, só abaixo de seu pai, Zardon e sua irmã, Menian. Não poderia estar condenada a crendice estúpida dessas criaturinhas que rezavam para seu pai. Levantou-se, espantando esses pensamentos incômodos. Resolveu caminhar nos jardins celestes, os jardins lhe trariam inspiração. Pelo menos queria acreditar nisso.
Caminhou descalça pela grama, o vento balançava seu longo e alinhadíssimo cabelo, observou as árvores, tocou a água da fonte central, observou o voo dos pássaros celestiais. Nada parecíamos agradar ou inspirar. Continuava angustiava.
Sua irmã, Menian, também estava caminhando pelo jardim. Menian era muito diferente de Nila. Era mais baixa, estava sempre com as mãos sujas de terra, argila, tinta ou magma, seu rosto não era feio, mas não se comparava ao rosto perfeito e simétrico de Nila, seus cabelos eram curtos e bagunçados. Talvez a melhor maneira de descrever Menian como um todo era assimétrica.
Avistando Nila e vendo a angústia em seu rosto Menian aproximou-se. Sorriu para sua irmã, que retribuiu o sorriso.
- O que te preocupa? – Disse Menian.
- Nada parece certo com meu universo, você e nosso pai conseguem criar universos com tanta facilidade. Como você consegue?
-Eu acho que é só não pensar muito. Eu só vou fazendo – dizia Menian fazendo gestos amplos com as mãos para ilustrar o que dizia – misturando coisas. Eu coloco elementos na boca, mastigo e cuspo, deixo lá fermentando e vira um planeta. As vezes só amasso um tanto de energia com as mãos e coloco para orbitar alguma outra coisa. As vezes eles explodem, as vezes eles não fazem nada.
- E a vida? Ela é perfeita?
- Ela é vida, as vezes cresce, as vezes morre, as vezes não faz nada. Vida é assim.
Nila despediu-se de sua irmã, voltou aos seus aposentos, encarou por alguns momentos sua criação, passou a mão pelos olhos para espantar o desânimo. Com um gesto desmanchou o universo todo.
***
Na mitologia Zardoniana, Zardon criou o universo de acordo com sua vontade. Zardon é pai de duas filhas, a mais velha, Menian, representa a criação e o caos. A mais nova, Nila, representa a estabilidade e perfeição. Pelo menos é nisso que 73% dos habitantes de Mulanor, um planeta que orbita o Sol de Trannos. Tais habitantes também acreditam que a estabilidade é um desejo, e não o estado natural das coisas.
Na mitologia Meniana, Menian criou o universo e tudo que a nele, ela tem um pai e uma irmã mais nova. Mas esses parentes não são tão importantes para 82% dos habitantes de Anderos, um pequeno planeta de céu vermelho que orbita um uma Anã branca. Eles estão perfeitamente satisfeitos em acreditar que Menian criou esse mundo e seus habitantes misturando coisas e esperando que a sorte fizesse o restante.
Na mitologia Nilana, bom, nunca existiu uma mitologia Nilana.
*Imagem meramente ilustrativa, sobre ela: Aqui
*Imagem meramente ilustrativa, sobre ela: Aqui
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