quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Na minha casa moraram ciganos.



Vou te contar uma dessas histórias sem graça pelo simples fato de ser verdadeira. As histórias verdadeiras insistem em fazer as coisas do modo mais prático e provável. Como eu disse: chato.

Eu morei em uma casa num desses bairros que já foram BNH. Isso para você que chegou no mundo não faz lá muito tempo significa dizer que eram casa que começaram todas irmãs, todas na mesma data, todas grudadas e com a mesma cara. Isso 45 anos atrás. Quando eu mudei para essa casa lá pelos meus cinco anos de idade já não havia casa nenhuma com a mesma cara. Mesmo que continuassem todas grudadas.

Nessa tal casa morávamos meus pais, eu e meu irmão. Posso dizer com certeza que me acostumei com cada canto daquele lugar apertado e empilhado (é um sobrado). Não vou enumerar aqui cada um desses cantos, isso é um relato e não um anúncio de imobiliária. O que vale a pena dizer sobre essa casa que nasceu BNH, que era toda empilhada e apertada é que ela foi constantemente reformada por meus pais nesses 17 anos até ficar com a aparência que tem hoje. Com janelas frontais como dois grandes olhos ovalados e uma escada caracol das mais esquisitas.

Fazia oito anos que eu havia mudado para outra cidade e desde então não entrei nessa casa até depois dos ciganos saírem. Entre eu sair e os ciganos chegarem passaram pela casa alguns inquilinos variados tais como três policiais, um casal de velhinhos japoneses, uma mulher que só conheci por a mulher do fusca velho e uma família dessas que tem em todo lugar. Claro que foram inquilinos sucessivamente e não uma confusão de 20 pessoas morando todas juntas.

Os ciganos moraram mais um menos por um ano na casa. Nunca soubemos de verdade quantos eles eram, talvez três talvez 10. Só sabíamos que até eram fãs de pagar o aluguel, pelo menos enquanto queriam. Durante esse ano alguns ex-vizinhos relatavam coisas estranhas e nada coesas. A precisão nunca foi o forte dos moradores daquele bairro. Tudo ali tendia para a superstição. Sabe como são esses bairros do interior. Quando encontrava um desses ex-vizinhos por aí eles já iam logo dizendo: “quem alugou a sua casa não é gente de bem.” “Entra e sai gente de lá o tempo todo!” “eles nem conversam com ninguém da rua!”

Mas os campeões de relatos sem pé nem cabeça eram Seu Antônio, Dona Amélia e Dona Custódia. - Eles têm uma estátua na garagem - Seu Antônio disse em tom de mistério uma vez - e essa estátua ai olhou pra mim, ela virou a cabeça e tudo e olhou diretamente pra mim!, Fiz o sinal da cruz rapidinho e olhei de novo, mas o portão já estava fechado.

Outras vezes os relatos eram mais vagos ainda. Dona Amélia disse uma vez escutar música de cigano durante a noite, música barulhenta horrível, com violinos, palmas e gritos.- eu levantei da cama meio sonolenta -contou dona Amélia com expressão assustada - e fui olhar pela janela e tudo estava calminho e quieto. Voltava a dormir e a música recomeçava. A conclusão de Dona Amélia era de que os ciganos não estavam tocando e cantando dentro da casa, mas sim no sonho dela.

A dona Custodiajá vinha com aquela cara de quem sabe um segredo toda vez que me via e contava a mesma história. Você já parou para pensar por que chamamos senhoras com aquele arquétipo de avó de alguém, mas avó de alguém, não a minha, nunca conheci nenhuma dessas donas qualquer coisa parecidas com as minhas avós de dona Alguma Coisa? - Tem um vulto no telhado – Sempre a mesma história da Dona Custódia – Deve ser um gato. – Disse eu em uma das vezes - E desde quando gato fica em pé do tamanho de homem e sorri com os dentes brancos que nem de gente? Dei de ombros.

Nunca achei que a Dona Amélia batesse bem da cabeça, e os outros relatos dos ex-vizinhos eram tão vagos e malucos que achei por bem duvidar de todos e ignorar história toda sobre os ciganos. O único relato que escutei e parecia fazer sentido Era do entra e sai de gente da casa. Esse era bem plausível e combinava com o que eu acreditava que ciganos faziam.

Dois dias depois que os ciganos sumiram. É, evaporaram. Os ex-vizinhos já vieram até a minha casa atual contando de um carro preto e grande que saiu depois da meia noite. Estava cheio, lotado, diziam eles - com roda arriada- falou seu Antônio, igualzinho quando a gente ia pra praia quando eu era moço, o carro saiu tão carregado que saiu chorando. Dona Custodia disse mais ou menos a mesma coisa, e dona Amélia concordava balançando a cabeça. Eu acho que essa gente não tem televisão, e tem a vida muito chata. Parecem que passavam dia e noite olhando os ciganos. Tudo que nos sabíamos de fato sobre o desaparecimento dos ciganos era que tinham ido embora, e que ninguém na imobiliária se lembrava de ter recebido a chave e o ultimo aluguel. Mesmo assim misteriosamente A chave estava na imobiliária, o ultimo aluguel não. Eram ciganos.

Uma semana depois fui com o meu pai até a casa, o pedreiro de confiança do eu pai já começara a arrancar os carpetes velhos e deixados em estado deplorável e pintar as paredes. Mas ainda seria só o primeiro de muitos dias de reforma que a casa exigia para ficar alugável outra vez. Tive a oportunidade de ver as marcas que um ano de ciganos podem fazer em uma residência. Em um dos quartos haviam desenhos ou escritos na parede. Não sei dizer se aquelas coisas eram letras de algum idioma que deveria estar esquecido ou desenhos. De qualquer maneira senti certo alivio de não conseguir entende-los. Na garagem havia uma mancha escura e de cor indefinida. Era segundo o seu Antônio esse cantinho da garagem que ficava a estatua que olhou pra ele. Nunca meus vizinhos disseram como a estátua era, mas a julgar pela mancha ela deveria ter mais ou menos um metro de altura. Mas a coisa mais sinistra da garagem eram os arranhões profundos nas paredes, pelo menos eu achei que fossem a coisa mais sinistra da garagem, até ver que havia os mesmos arranhões profundos no teto. Isso me deu calafrios. Um cachorro anormalmente grande arranharia as paredes. Mas para arranhas o teto teria que ser um cachorro anormalmente grande e que voa.

Mas era a cozinha que estava com mais cara dos ciganos. No lugar do olho mágico na posta dos fundos havia um olho azul de vidro. Em cima da pia, deixados ali talvez na pressa, ou com alguma maldição havia potes de vidro, daqueles que se costuma usar para guardar mantimentos. Eram quatro potes: Nos dois menores havia em um deles uma farinha cinza e grossa. Chacoalhei o pote para ver se havia alguma coisa na farinha mas não tive coragem de abri-lo. Não tive coragem de abrir nenhum dos potes. No outro menor havia algo avermelhado e viscoso, parecia algum tipo de gordura com uns pedaços de carne boiando. O pote médio estava cheio de pimentas variadas, deveria haver ali uns 10 tipos de pimentas no mínimo, pelo menos pareciam com as pimentas que eu conheço. Nenhuma delas era exatamente igual como uma pimenta deve ser. E no pote maior havia uma gosma viscosa de cor ocre que de tempos em tempos, sem nenhum aviso, borbulhava fazia "blop".

Já faz uns dois anos desde as reformas. A casa está novamente na sua sucessiva troca de inquilinos. Os rabiscos foram raspados das paredes e depois qualquer manchinha insistente foi tampada com uma grossa camada de tinha branco gelo. A mancha da estátua insistiu, mas foi vencida pelo pedreiro paciente e suas seis mãos de tinta. O olho de vidro e os potes estranhos foram jogados no lixo naquela noite mesmo. A única lembrança de que ali moraram ciganos e é o que a Dona Amélia insiste em repetir: - Eu ainda escuto a música deles quando eu durmo. Aquela música barulhenta cheia de violinos, gritos e palmas. Eles fugiram coisa nenhuma, os ciganos estão é morando na minha cabeça.

3 comentários:

  1. Não eram ciganos, eram fadas, só pode ser....depois falam que RPG não tem embasamento nenhum!

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  2. Ainda acho que tem que chamar um clérigo ou paladino para purificar a casa.....

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  3. Essa história é verídica?
    Siniiiiistro!

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